quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Avaliação ergométrica

A ergometria é uma técnica amplamente utilizada em cardiologia, tendo sido desenvolvida a partir do princípio de que limitações funcionais do sistema cardiovascular, não demonstráveis em repouso, podem ser expostas pelo esforço. Trata-se de método fundamental, com valor diagnóstico e prognóstico bem definidos na insuficiência coronariana, mas útil também na abordagem de pacientes com miocardiopatias e valvulopatias, permitindo determinação precisa da capacidade funcional e avaliação objetiva da resposta terapêutica. Aplica-se ainda ao diagnóstico e controle do tratamento de arritmias cardíacas, à avaliação de indivíduos aparentemente sadios e à prescrição de exercícios em programas de reabilitação.

O exercício isotônico é o preferido para a avaliação ergométrica, visto que determina aumento gradativo do débito cardíaco, proporcional ao consumo de oxigênio corporal, podendo a carga de trabalho ser medida com precisão. A resposta orgânica fisiológica ao exercício isotônico envolve ajustes cardiocirculatórios que visam manter fluxo sangüíneo adequado para a musculatura esquelética, sem comprometer a perfusão cerebral e coronariana. Imediatamente antes do esforço, mecanismos neurogênicos reflexos determinam aumento do tônus adrenérgico e redução do tônus parassimpático. Estas alterações tornam-se mais marcantes à medida que é executado o exercício, determinando aumento do débito cardíaco, decorrente do aumento do volume sistólico, incremento da freqüência cardíaca e redução da resistência vascular periférica.

A ergometria é considerada técnica segura quando executada por médicos experientes e bem treinados. O respeito às contra-indicações e aos critérios de interrupção são fundamentais para a segurança dos pacientes, assim como é obrigatória a disponibilidade de desfibrilador e material completo de reanimação cardiorrespiratória na sala de exames. Dentre as contra-indicações absolutas à realização da avaliação ergométrica estão: infarto agudo do miocárdio (nos primeiros dois dias), angina instável de alto risco, arritmias cardíacas malignas causando sintomas ou repercussão hemodinâmica, estenose aórtica grave sintomática, insuficiência cardíaca descompensada, tromboembolismo ou infarto pulmonar agudo, miocardite ou pericardite aguda, dissecção aórtica aguda. As contra-indicações relativas são: estenose do tronco da coronária esquerda, estenose valvar moderada, distúrbio hidro-eletrolítico, hipertersão arterial grave (PA sistólica > 200 mmHg e/ou diastólica > 110 mmHg), taquiarritmias ou bradiarritmias, cardiomiopatia hipertrófica e outras formas de obstrução de fluxo, alteração mental ou física que impeça o exercício adequado, bloqueio atrioventricular de alto grau.

O teste ergométrico avalia parâmetros clínicos, hemodinâmicos e eletrocardiográficos. Sintomas e sinais que surgem durante o esforço podem ter notável valor diagnóstico, devendo ser valorizados e anotados pelo médico que realiza o teste.

A resposta pressórica fisiológica ao esforço implica elevação progressiva da pressão arterial sistólica até o estabelecimento de um platô, enquanto a pressão diastólica permanece estável ou varia em torno de 10 mmHg. A incapacidade de elevação da pressão arterial sistólica, assim como sua redução abaixo dos níveis de repouso durante o esforço, pode refletir elevação inadequada do débito cardíaco por disfunção ventricular esquerda, obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo ou redução excessiva da resistência vascular periférica.

A freqüência cardíaca aumenta progressivamente com o exercício. Pacientes hipovolêmicos, anêmicos, ansiosos e sem condicionamento físico podem ter resposta cronotrópica exagerada nas fases iniciais do exercício, embora a anormalidade mais importante seja a incompetência cronotrópica, ou seja, elevação inadequada da freqüência cardíaca, inferior a 95% do limite do intervalo de confiança para idade e sexo. A incompetência cronotrópica pode indicar disfunção do nó sinusal, insuficiência ventricular esquerda, isquemia miocárdica e uso de drogas com efeito cronotrópico negativo, como mostrado por Froelicher.

O duplo produto, ou índice de tensão-tempo, é obtido pela multiplicação da pressão arterial sistólica e freqüência cardíaca máximas atingidas durante o teste e fornece estimativa do consumo de oxigênio miocárdico, podendo ser utilizado como índice de função cardiovascular, como estudado por Duarte e Froelicher.

A análise do registro eletrocardiográfico obtido durante o esforço tem como parâmetros fundamentais o comportamento do segmento ST e da onda T e o estudo dos distúrbios do ritmo cardíaco. As anormalidades do segmento ST e da onda T induzidas por esforço podem indicar isquemia miocárdica.

A capacidade funcional ou capacidade máxima de esforço, apesar de sofrer interferências das condições ambientais e de fatores como treinamento, motivação e familiaridade do examinando com o teste, é uma das variáveis mais importantes do procedimento, tendo grande valor prognóstico. A capacidade de esforço é medida através do consumo de oxigênio corporal (VO2), que reflete a quantidade de oxigênio que é retirada do ar enquanto se realiza o exercício. A determinação de VO2 e da produção de dióxido de carbono (VCO2) durante o esforço é feita por procedimento específico, denominado ergoespirometria, que avalia a quantidade de O2 consumido (resultante da diferença entre o O2 inspirado, constante na atmosfera e a quantidade de CO2 expirado) e que pode ser captado e analisado por um aparelhamento sensível, descrito por Alfieri & Duarte, o que torna o procedimento oneroso e complexo. Entretanto, no teste ergométrico convencional pode-se estimar o consumo máximo de oxigênio para uma determinada carga de esforço. A ergoespirometria deve ser reservada para casos específicos, como na diferenciação da dispnéia induzida pelo esforço de causa cardiogênica ou pulmonar e na avaliação objetiva da capacidade de esforço e da resposta terapêutica em possíveis candidatos ao transplante cardíaco, como descrito por Ellestad, Froelicher, Detrano e Gibbons.

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